Aprendendo a lidar com a Fissura – Manejo da Fissura

No campo dos transtornos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, a fissura, ou craving, é um dos conceitos mais amplamente estudados e um dos menos compreendidos.

Pode ser caracterizada como uma força propulsora e urgente direcionada ao uso da droga, resultante de mecanismos neuronais e neuroendócrinos, e evocada por gatilhos ambientais e situações de estresse.

A importância da fissura na recaída é bem documentada, e os aspectos neurobiológicos que a determinam vêm sendo muito estudados.

Ela representa uma ameaça significativa para a manutenção da abstinência entre os dependentes químicos, podendo aparecer de forma intermitente por um longo período após a interrupção do uso da droga.

A fissura tem sido comparada a mecanismos de aprendizagem e memória, sendo desencadeada pelos mesmos circuitos ativados pela droga, envolvendo estruturas anatômicas como o córtex pré-frontal, o nucleus accumbens, a amígdala e o hipocampo.

A dopamina e o glutamato, liberados secundariamente ao consumo de drogas de abuso, fazem o indivíduo prestar mais atenção aos estímulos relacionados a essas substâncias, e o que está na origem do desencadeamento da fissura pelos gatilhos ambientais.

O risco da recaída representado pela fissura torna-se ainda maior quando esta se encontra associada ao sintomas da síndrome de abstinência  protraída – resultante de neuroadaptações induzidas pela droga -, quando ocorre em indivíduos com comorbidades psiquiátricas, quando há disponibilidade da substância psicoativa, ou, ainda, se existem condições socioeconômicas geradoras de estresse e desproteção.

O estado atual do conhecimento relacionado à fissura e à recaída conduz à integração das teorias fisiológicas, cognitivas e de aprendizagem.

Essa matéria abordará os conceitos, os modelos etiológicos e a neuro biologia da fissura, bem como sua avaliação e as principais técnicas de manejo desenvolvidas para seu tratamento.

Definições de Fissura

Segundo o United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), e Organização Mundial de Saúde (OMS), a fissura refere-se a um desejo intenso de consumir uma substância psicoativa, associado à intenção de repetir a experioência dos seus efeitos, sendo, geralmente, acompanhada de alterações de humor, do comportamento e da cognição.

A fissura seria, então, o reflexo de um estado subjetivo de motivação influenciado pelas expectativas positivas associadas ao consumo de uma dada substância.

Outro conceito  defende que a fissura engloba não somente o desejo, mas também a intenção de consumir uma substância psicoativa, o alívio dos afetos negativos e dos sintomas de abstinência e a expectativa de um efeito positivo.

Ela pode ocorrer na fase de consumo, no início da abstinência ou após um longo período sem utilizar a droga, parecendo ser mais intensa na vigência do uso, o que dificulta não só a motivação para a interrupção desse comportamento, mas também a posterior manutenção da abstinência.

Tipos de fissura

Em relação ao consumo de drogas, a fissura pode ser classificada em quatro tipos: respostas à síndrome de abstinência; reação à falta de prazer; resposta a estímulos relacionados às dinâmicas de consumo de substâncias psicoativas e resposta à tentativa de intensificar o prazer de determinadas atividades.

National Institute on Drug Abuse (NIDA), utilizando como parâmetro o modo como os usuários experimentam os desejos e os impulsos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, propõe a existência de três tipos de fissuras: somática, cognitiva e afetiva.

Tal distinção auxilia o terapeuta e a clínica de recuperação a compreender melhor como o desejo é experimentado pelo paciente.

Fatores desencadeantes de fissura

Colaboradores entendem, fundamentados no modelo da terapia cognitivo comportamental, que a fissura ocorre quando, diante da apresentação de um determinado estímulo – que pode ser interno (como ansiedade ou depressão) ou externo (como a presença de amigos que usam drogas) -, são ativadas crenças centrais e crenças “adictivas”.

As crenças centrais seriam ideias rígidas e hiper generalizáveis que o indivíduo tem a respeito de si mesmo (“sou vulnerável”), do ambiente (“o mundo é perigoso”) e do futuro (“o futuro é incerto”), e as crenças “adictivas” correspondem a expectativas de resultados ante o uso das drogas.

Os autores dividem as crenças adictivas em: antecipatórias (que antecipam o prazer decorrente do uso da substância), de alívio (que relacionam o uso com o alívio de sensações negativas), permissivas (que minimizam o uso e suas consequências) e de controle (crenças que deveriam ser estimuladas pelo terapeuta, pois estão associadas ao prejuízos decorrentes ao uso). 

Segundo os colaboradores, as crenças adictivas seriam conectadas às crenças centrais, gerando a fissura.
Assim, um paciente que vê amigos usando crack (estímulo externo) pode ativar a crença central “Sou frágil” e a crença adictiva “O crack me fortalece” e, em decorrência disso, sentir fissura pela substância.

Outros autores destacam que a fissura pela cocaína pode ser desencadeada por três motivos principais: exposição à substância, estímulos ambientais previamente associados ao uso da droga e eventos de vida estressantes.
Apesar de relacionada à recaída, a presença de fissura per se não leva necessariamente a esse desfecho, sendo possível trabalhar o controle individual no manejo dessas situações de risco.

Independentemente dos fatores causadores da fissura, é importante definir quais foram as situações que a estimularam para que estratégias de prevenção de recaída possam ser instituídas com sucesso.

Os usuários precisam estar conscientes acerca dos gatilhos relacionados ao seu uso de crack ou cocaína.

A ausência de um trabalho terapêutico nessa área torna mais provável a ocorrência de lapsos ou recaídas devido à falta de uma compreensão abrangente quanto aos fatores envolvidos na perpetuação do uso.

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