Farmacologia e neurobiologia do consumo de crack

O crack é uma apresentação da cocaína para ser fumada ou inalada, com objetivo de produzir efeitos mais rápidos e intensos.

Seu modo de comercialização barato e sua rápida expansão entre grupos socialmente excluídos e /ou minorias étnicas chamou a atenção das autoridades sanitárias de diversos países desde o princípio.

A relação entre a via de administração pulmonar e modos mais graves de consumo, dependência e complicações sociais tornou-se igualmente relevante em pouco tempo.

Desde então, as particularidades farmacológicas do consumo de crack vem sendo pesquisadas e publicadas, e são descritas sucintamente ao longo dessa matéria.

A origem vegetal e modo de obtenção da cocaína

A planta da coca é um arbusto originário da América do Sul, cultivado tanto nas encostas dos altiplanos andinos (Erythroxylon coca), quanto nas terras baixas da região amazônica (erythroxylon novagranatense), principalmente na Colômbia, Peru e Bolívia. 

As folhas de coca possuem de 0,5 – 2% do alcalóide cocaína, cuja extração ocorre em duas fases.
Na primeira fase, por meio da maceração ou pulverização das folhas de coca com solvente (álcool, benzina, parafina ou querosene), ácido sulfúrico e carbonato de sódio, há obtenção da pasta básica de cocaína, que contém 90% de sulfato de cocaína.

Devido a sua natureza alcalina, a pasta básica pode ser fumada.

Na segunda fase, o sulfato de cocaína recebe ácido clorídrico, éter e acetona.

Após essa mistura ser filtrada e secada, obtém-se o cloridrato de cocaína: um sal branco e cristalino, facilmente solúvel em água e estável quando aquecido, podendo ser administrado por via endovenosa ou intranasal (aspirado).

Com o intuito de aumentar os lucros, a esta substância costuma-se acrescentar açúcares, talcos, pó de mármore, anfetaminas ou outros produtos mais baratos e acessíveis nas regiões onde será consumida, variando seu grau de pureza entre 15% a 90%.

O surgimento das apresentações de cocaína que podem ser fumadas

Europa ao longo da mesma década, atingindo seus países em diferentes momentos – atualmente Inglaterra e Espanha são detentores dos maiores índices europeus de prevalência do consumo.

Outros modos de consumo de cocaína pela via pulmonar apareceram cerca de uma década antes do surgimento do crack.

A mais anterior é a pasta básica de cocaína ou basuco (sulfato de cocaína), produto intermediário do refino da cocaína, cujo consumo atingiu níveis epidêmicos nos países andinos produtores de folha de coca, especialmente Peru e Colômbia.

Não houve expansão do consumo para além dessas fronteiras.

Uma segunda apresentação apareceu na transição para os anos oitenta e é considerado precursor do crack: a cocaína na forma de base livre ou freebasing.

O consumo dessa apresentação, no entanto, caiu em desuso rapidamente, pois era obtida a partir da adição de éter sulfúrico à cocaína refinada (cloridrato de cocaína) em meio aquoso altamente aquecido.

A natureza inflamável do éter aliada ao método de produção clandestino e artesanal, expunha o usuário-fabricado e acidentes por explosão.

Desse modo, o freebasing era fabricado em pequena escala, e geralmente para uso próprio.
Ainda assim, o padrão compulsivo de uso foi relatado desde os primeiros tempos da droga.

Farmacocinética: o percurso do crack pelo organismo

A cocaína pode ser consumida por qualquer via de administração.

Pela via oral (folhas mascadas), é absorvida pelas vilosidades intestinais; pela intranasal (cheirada), absorvida pela mucosa nasal e orofaríngea; pela endovenosa (injetável) é disponibilizada diretamente na circulação sanguínea; pela via inalatória ou pulmonar (fumada), atinge rapidamente a circulação através do capilares pulmonares.

Evidências científicas apontam para um maior potencial de abuso e dependência quando a cocaína é fumada ou injetada em comparação ao uso intranasal.

As principais características de via de administração relacionadas ao risco de uso nocivo e dependência são (1) a rapidez de início dos efeitos desejados, (2) a intensidade e (3) a duração desses efeitos, todos esses capazes de influenciar a frequência e a quantidade de cocaína consumida.

Quanto mais instantâneos, intensos e efêmeros os efeitos, maior a probabilidade de a droga ser consumida novamente.

A via de administração, portanto, interfere diretamente no reforço positivo do uso compulsivo, aumentando a probabilidade de abuso e dependência.

Biodisponibilidade

Há sempre uma diferença entre a dose administrada de uma substância e a quantidade da mesma que alcança a circulação sanguínea.

A razão entre a dose administrada e a porção absorvida é denominada biodisponibilidade.
Independentemente da via de administração utilizada, a cocaína tem biodisponibilidade alta e se distribui rápida e amplamente por todo o organismo.

O volume de distribuição varia entre 57% pela via oral e aproximadamente 70% pela via inalatória.

No que se refere ao crack, a via inalada (fumada) é uma das formas mais efetivas de tornar a cocaína biodisponível, pois sua fumaça é composta por vapores e partículas de cocaína e imediatamente absorvida pela circulação pulmonar.

Em seguida, difunde-se muito rapidamente dos pulmões até o cérebro, passando pela circulação pulmonar e ventrículo esquerdo.

Os efeitos são imediatos (5 segundos), muito intensos (diz-se que é até 10 vezes superiores ao da cocaína intravenosa ou aspirada) e muito fugazes (cerca de 4 minutos).

Diferentemente da via pulmonar, a cocaína intranasal tem uma biodisponibilidade baixa e variável: entre 10 a 20%, sendo o índice menor o mais comum.

A absorção pela mucosa nasal e pelo trato digestivo é muito mais lenta com pico plasmático em torno de 15 – 60 minutos após o consumo.

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