Dependência – uma doença do cérebro
A genética têm papel importante na dependência. Ela determina a resposta do sujeito à presença da substância psicoativa em seu cérebro: os genes controlam a síntese de proteínas e são elas que dirigem e regulam as mais importantes reações químicas em nosso corpo.
Quando alguém começa a fazer uso de álcool ou drogas, as substâncias psicoativas presentes neles entram na corrente sanguínea, chegam até o cérebro e alteram seu equilíbrio químico.
A partir de um certo tempo de uso e de uma certa quantidade, esta alteração torna-se crônica e o cérebro, então, funciona com uma dinâmica diferente: a dinâmica do cérebro de um dependente que envolve alterações significativas em sua percepção de humores, nas sua emoções e em sua memória que podem demorar muito tempo para voltar ao normal após o indivíduo parar de usá-los.
Um pouco sobre a química cerebral
A comunicação entre nossos neurônios é feita através de substâncias químicas chamadas neurotransmissores, presentes no espaço sináptico entre seus terminais.
As ações que realizamos e nossas sensações (respiração, contrações musculares, temperatura corporal, emoções, etc.) estão diretamente relacionadas à sua ação.
Entre os principais neurotransmissores relacionados à dependência química, dois deles têm um efeito marcante: dopamina e serotonina.
Estes dois neurotransmissores afetam a maneira pela qual respondemos ao stress, nossa maneira de manifestar nosso humor e vivenciar nosso sentimento de prazer ou dor.
Quando ingerimos álcool ou drogas, as substâncias psicoativas presentes neles aumentam a concentração de dopamina no espaço sináptico.
Nossos neurônios detectam a concentração aumentada e diminuem a quantidade de dopamina que produzem.
Após passar o efeito destas drogas, os níveis de dopamina caem, porque os neurônios diminuíram sua produção e o dependente então, pode experimentar alta tolerância à dor e ter reduzida sua capacidade de sentir prazer.
Algo semelhante acontece com a serotonina.
A consequente redução em seus níveis pode levar à redução da sensibilidade, a anomalias na temperatura corporal, a alterações afetivas e à depressão.
Estes dois efeitos combinados levam o dependente a se tornar cada vez menos hábil para o convívio com os outros: família, amigos, sociedade, pois sua capacidade para sentir bem estar e saúde estará profundamente comprometida.
Uma das consequências mais conhecidas disto é a solidão e isolamento.
Nos dependentes de álcool e drogas esta falta é o lugar comum.
O desbalanceamento químico no cérebro dos dependentes é permanente.
Os anos que passaram alterando sua química cerebral sem saber lhes traz consequências algumas vezes sérias, podendo deixar sequelas irreversíveis, principalmente em áreas como a memória e o raciocínio.
É justamente esta química cerebral alterada, crônica que existe a afirmação: uma vez dependentes, sempre dependente.
Como a doença se instala
Vejamos o caso da serotonina: como dito acima, a ingestão da substância psicoativa aumenta as concentrações da serotonina.
Os neurônios detectam a presença do excesso dela no espaço sináptico e diminuem sua produção.
Quando o efeito da substância psicoativa passa, a concentração da serotonina baixa porque os neurônios não a estão produzindo mais.
O indivíduo, então, sente-se mal, deprimido, e toma mais droga para compensar o mal-estar.
Temporariamente sente-se melhor, mas a presença da substância no cérebro novamente leva os neurônios a diminuir a liberação de serotonina, que chega a patamares ainda mais baixos, levando a um consumo maior da substância.
1 – Primeiro o indivíduo experimenta a droga, talvez por prazer, por curiosidade, por rebeldia para ajudá-lo a lidar com seus problemas e muitas outras razões.
2 – Sua tolerância à droga aumenta. Quanto mais ele usa, mais ele vai ter que usar para obter o mesmo efeito.
3 – À medida que a dependência evolui, eles tentam desviar a atenção das pessoas e transformam o uso em sua principal preocupação: planejam o uso, escolhem seus companheiros e fornecedores, tudo se baseia nas drogas.
4 – A dinâmica das suas relações gira em torno do uso. Muitas vezes forjam brigas e contendas para usar como justificativa para o uso.
5 – Todo controle sobre a situação é perdido. Não conseguem mais controlar a quantidade que usam nem podem mais parar. Sentem-se absolutamente entregues, sem força e sem vontade própria.
6 – Com o tempo ficam cada vez mais incapacitados para manter seus relacionamentos e manejar as situações mais simples da vida.
7 – O dependente acaba por perder as esperanças. Enquanto a dependência piora vão se sentindo cada vez menos possibilidade de escapar do processo. A vida vai perdendo seu sentido e seu valor.
Quando ele chega a este ponto, uma ajuda profissional é necessária para reverter o processo !
Existe solução para este desequilíbrio químico? Será que os dependentes estão condenados a uma vida de recaídas?
O equilíbrio pode levar mais ou menos certo tempo para voltar ou pode não voltar nunca.
Pessoas diferentes têm reações diferentes, dinâmicas diferentes no organismo.
Por isso, insiste-se que os dependentes em recuperação não se arrisquem.
O melhor sempre considerar que uma vez dependentes, sempre dependente.
Em um dependente em recuperação, o stress produz o mesmo efeito químico no cérebro que o do uso da substância.
Esta é uma das razões para haver uma relação direta entre estresse mal resolvido e recaída e mostra a importância para o sujeito em recuperação de desenvolver maneiras melhores de resolver seus conflitos, a serenidade, percebe, é fundamental
A abstinência do uso destas substâncias, se o indivíduo já é um dependente, ocasiona o aparecimento de sintomas – a síndrome da abstinência (mais dramática para heroína e álcool e desprezível para anfetaminas), que já podem, hoje, ser apropriadamente cuidados com a medicação disponível.
Embora na maioria das vezes, não seja necessário, os desbalanceamentos químicos cerebrais podem ser tratados por via medicamentosa.
Durante a abstinência os dependentes em recuperação podem sentir uma série de sintomas devido a falta da substância : confusão mental, letargia, dificuldade de concentração, perda de memória, dores físicas, instabilidade ao andar, ansiedade, etc.
Os anti-depressivos podem ser úteis neste momento, para eliminar sintomas ligados à depressão.
São seguras e não causam dependência. Já o uso de ansiolíticos não é recomendável porque apenas mascaram o problema e podem causar também dependência.
O caso do álcool
O álcool etílico espalha-se rapidamente pelo corpo e penetra com facilidade nas células e tecidos de todos os órgãos, sendo eliminado de várias formas.
Uma pequena quantidade é eliminada parcialmente através dos pulmões e dos rins e a maior parte é metabolizada no fígado.
A metabolização começa na membrana mucosa do estômago, através de uma enzima (ADH), que é muito mais ativa nos homens que nas mulheres: com a mesma ingestão de álcool que os homens, as mulheres ficam com uma concentração maior dela no sangue.
A eliminação do álcool por um bebedor não crônico é linear.
Não existe uma relação linear entre o nível de álcool no sangue e o grau de intoxicação: existem grandes diferenças nos efeitos do álcool entre um indivíduo e outro.
Como resultado da atividade metabólica, a percentagem de álcool no sangue sobe rapidamente após a ingestão, mas depois desce com regularidade.
Os efeitos prazerosos do álcool são experimentados durante a parte ascendente da curva. Os menos agradáveis são sentidos quando a concentração sanguínea baixa.
As consequências bioquímicas do metabolismo do álcool
Os efeitos mais nocivos do consumo de álcool são causados pelas substâncias que se produzem no seu metabolismo: ácido lático e acetaldeído.
A oxidação dos ácidos gordos também é perturbada causando acumulação de gordura no fígado.
O fígado tenta reduzir esta acumulação eliminando gordura para o sangue e o resultado é um excesso de gordura no sangue, o que contribui para a arteriosclerose.
O acetaldeído pode deteriorar as células do fígado, perturba o metabolismo de proteínas, resultando em sua acumulação e o consequente inchaço.
O acetaldeído que escapa para o sangue pode apoiar a liberação de adrenalina e dopamina resultando, em alguns casos, em taquicardia, transpiração, dores de cabeça, palidez e náusea.
Influência nos neurotransmissores
A ação específica do álcool no cérebro é de inibição, inclusive dos sistemas inibidores.
O resultado é um excesso de dopamina e serotonina, que leva a um sentimento de bem estar e facilitação social.
Além disso, o acetaldeído combina-se com a dopamina e a serotonina, formando substâncias que interagem, no sistema nervoso central, com os receptores opiáceos, ocasionando efeitos semelhantes à morfina.
Quando a concentração de álcool diminui, o sujeito começa a sentir o efeito da falta de dopamina e serotonina e é levado a consumir mais álcool como uma forma de automedicação para corrigir este “déficit” e “voltar ao normal” com o uso crônico, do álcool leva a uma tolerância em relação a dopamina, deixando o sujeito com uma sensação crônica de mal estar.
Tolerância e interação medicamentosa
O consumo prolongado do álcool costuma levar a uma tolerância cada vez maior a ele uma vez que ocorre uma adaptação no sistema nervoso central e um aumento na tolerância metabólica com aumento da capacidade do sistema de metabolismo, que é o mesmo na metabolização de medicamentos como os benzodiazepínicos. (antipsicóticos), barbitúricos e narcóticos, provocando uma potencialização de sua ação no organismo.
Esta interação torna complicada a prescrição destes medicamentos a pacientes que consomem bebidas alcoólicas durante muito tempo e muitos deles, cientes desses efeitos, os usam, em sua adicção.
Efeitos Clínicos do abuso de bebidas alcoólicas
- Aumento do risco de aparecimento de câncer na zona superior do aparelho digestivo, risco ainda maior quando combinado com o tabagismo.
- Distúrbios peristálticos e na tensão dos esfíncteres (acidez e flatulência).
- Gastrite, náuseas, dores no abdômen superior, vômitos com presença de sangue.
- Úlceras no estômago.
- Aumento na produção de muco no intestino delgado e queda nos movimentos intestinais, resultando em diarréia e atrofia, que levam a deficiências nutricionais.
- Pancreatite aguda, recorrente e crônica, que depois de formada, a abstinência não leva à recuperação.
- No fígado, podem ocorrer simultaneamente: hepatite, fibrose e cirrose. Eventualmente o funcionamento do fígado torna-se altamente perturbado, com consequências para muitas funções corporais: perturbações da coagulação sanguínea, intoxicação com doses normais de medicamentos ou encefalopatia (doença degenerativa do cérebro).
- Redução da capacidade de contração do coração, que pode levar a uma doença do músculo cardíaco. Também se pode verificar a ocorrência de arritmia. A morte súbita por falha cardíaca é mais comum entre os alcoólicos.
- Anemia (consequência da diminuição do ácido fólico e da toxidez do acetaldeído) e trombocitopenia (deficiência nas plaquetas) que conduz à perturbação da coagulação.
- A redução na eliminação do ácido úrico pode levar a um ataque de gota e supressão das hormonas antidiuréticas, resultando numa produção maior de urina que pode levar à desidratação.
Consequências neurológicas e psiquiátricas
- Consequências agudas: instabilidade, vômitos, vista dobrada, cegueira temporária, incapacidade para falar, diminuição da função respiratória, insensibilidade a dor, apneia e parada cardíaca
- A polineuropatia, afetando as pontas dos dedos das mãos e dos pés, assim como perturbação dos sentidos manifestadas em frases como: “insetos estão passeando nos meu braços”
- A miopatia (doença nos músculos) pode ser um resultado direto da influência tóxica do álcool.
- Perturbação no sono, com despertar antecipado e supressão do sono REM (quando se sonha).
- A síndrome de Wernicke – Korsakoff, o resultado de uma deficiência de vitamina B1:
Sintomas da abstinência
A redução ou a cessação do uso prolongado e excessivo de álcool é seguido de fortes tremores e alguns dos seguintes sintomas: náuseas e vômitos, mal estar, taquicardia, transpiração, aumento da pressão sanguínea, ansiedade, depressão ou irritabilidade, passagens selecionadas ou ilusões, dores de cabeça, insônias.
Pode ocorrer, também, o delírio da abstinência alcoólica: um nível reduzido de consciência, desorientação, perturbações na memória, ilusões e alucinações (normalmente visuais) com um comportamento muito desassossegado e agitado.
Também podem ocorrer alucinações alcoólicas, caracterizada pela vivência de alucinações acústicas enquanto que a consciência se mantém clara.
O conteúdo das alucinações é frequentemente perturbador e desagradavel para o adicto, algumas vezes de tal ordem que o indivíduo procura proteção, como por exemplo da polícia.
O álcool e a gravidez
O consumo de álcool pode ter consequência para o feto.
Quer o álcool quer o acetaldeído são tóxicos para o embrião e afetam o funcionamento da placenta.
Pode ocorrer uma combinação de graves desordens que são denominadas no seu todo como síndrome alcoólico fetal
Os sintomas desta síndrome são:
- Inibição do crescimento pré-natal e pós-natal
- Microcefalia (cérebro reduzido)
- Dismorfia (deformação) facial
- Outras anormalidades
O caso da cocaína e crack
Depois que a cocaína penetra no cérebro, ela é rapidamente redistribuída para outros tecidos, mas se concentra no baço, rins e no próprio cérebro.
Em mulheres grávidas, ela atravessa a placenta e produz no bebê concentrações semelhantes às da mãe.
Com o uso concomitante de álcool, seu efeito tóxico é aumentado.
Efeitos cardiovasculares
A cocaína pode produzir alterações importantes aumentando os níveis de adrenalina e provocando vasoconstrição, com efeitos como taquicardia, aumento da pressão arterial, arritmia e até um ataque cardíaco.
A redução da circulação devida à vasoconstrição pode causar danos aos pulmões, à cartilagem nasal e aos intestinos
Efeitos no sistema nervoso central
Além de afetar o equilíbrio químico dos neurotransmissores, a cocaína pode causar dores de cabeça crônicas, perdas de consciência, convulsões e morte.
É comum o aparecimento no usuário de sintomas como: tiques, coordenação motora diminuída, derrame cerebral, desmaios, tremores, zumbido no ouvido e visão embaçada, sentimento de perseguição, desconfiança e depressão também são comuns.
Com o uso crônico, a química cerebral fica cronicamente alterada e o sujeito precisa de doses cada vez maiores para obter o mesmo efeito.
O sistema límbico tem seu funcionamento elétrico alterado e pode levar o sujeito a ter convulsões generalizadas