O consumo de crack é um fenômeno recente, surgido há cerca de vinte e trinta e cinco anos nos Estados Unidos e há vinte cinco anos no Brasil.
Em alguns países europeus, tal problema tornou-se relevante em termos de saúde pública há pouco mais de cinco anos.
Estudos relacionados ao tema começaram a ser publicados no início dos anos noventa, geralmente levantamentos qualitativos ou segmentos de poucos meses com esses usuários.
No entanto, estudos de seguimento mais estruturados só foram concluídos e divulgados a partir da segunda metade dos anos 2000.
Desse modo, há inúmeras perguntas sem respostas acerca da história natural do consumo de crack.
O objetivo deste capítulo é o de reunir toda informação disponível acerca deste assunto.
Perfil do usuário
O perfil mais recorrente entre os usuários de crack é composto por indivíduos do sexo masculino, jovens e adultos jovens, com baixa escolaridade, desempregados, provenientes de famílias desestruturadas e de baixa renda.
Em relação aos usuários de cocaína intranasal, possuem um padrão mais grave de consumo, maior envolvimento em atividades ilegais e prostituição, maior risco dos afeitos adversos da substância e posuíam maior chance de morar ou ter morado na rua.
Esse perfil continua a ser o mais observado.
O outro perfil detectado, foi o do usuário de cocaína inalada, também poliusuário, que migra para o crack em busca de efeitos mais potentes da droga.
Quando se combinam as variáveis uso exclusivo de cocaína, uso exclusivo de crack, uso de ambas as apresentações e sua ordem de início – cocaína para o crack ou crack para cocaína – uma série de particularidades podem ser observadas.
O usuário de cocaína têm em geral um prognóstico mais favorável em relação ao usuário de crack.
Os primeiros, porém, tendem a fazer uso nocivo de álcool com maior regularidade em relação aos últimos.
O uso de cocaína e crack têm pior prognóstico em relação ao uso isolado de ambas as substâncias.
Entre os usuários das duas apresentações, ter iniciado do consumo pelo crack está mais relacionado a comportamentos de risco e quantidade de consumo de crack do que o início pela cocaína intranasal.
Início e progressão do consumo
O risco para o primeiro episódio de consumo de cocaína ocorre entre 18-22 anos.
Entre os iniciantes, cerca de 5% desenvolvem dependência após ano de uso, independentemente do gênero.
O risco, então, desacelera a partir desse período, sendo maior entre as mulheres.
Consumo anterior de outras substancias psicoativas.
Normalmente, o usuário de crack inicia o consumo de substância psicoativas pelas drogas lícitas (como o tabaco e o álcool), sendo a maconha a droga mais comum da segunda fase de experimentação.
Quanto mais precoce e mais pesado o consumo de uma droga, maiores as chances de progressão e alcance de padrões mais graves de dependência.
Um estudo qualitativo com dezoito usuárias de crack observou que todas iniciaram o consumo de álcool e cigarro precocemente, fizeram uso pesado e chegaram ao crack em curto espaço de tempo.
O aumento da idade do paciente é um preditor de melhora. Dessa forma, nota-se que o crack não costuma ser a primeira droga utilizada pela maior parte dos usuários.
O consumo de cocaína intranasal e a evolução para o consumo de crack
Em geral, a primeira experiência com a cocaína acontece pela via intranasal, progredindo posteriormente para o crack.
O usuário de crack, independentemente do ambiente estudado – comunidade, em tratamento de prisões, consome mais cocaína e com maior regularidade do que o usuário de cocaína inalada.
A progressão da cocaína inalada para o crack pode ser explicada pela disponibilidade, pela tolerância, pela procura do usuário por efeitos mais intensos e pelo custo.
A transição do consumo intranasal o crack aumenta o risco de dependência, pois essa última forma de uso permite a realização e rápida progressão binges – algo menos provável tanto na forma inalada, por sua ação menos potente, quanto na forma injetável, cujo o manejo da parafernália limita o número de repetições.
Consumo de crack e poliuso de substancias psicoativas
Além dos antecedentes pessoais de consumo de outras substâncias anteriormente ao crack, seus usuários também fazem uso concomitante de outras substâncias psicoativas (poliuso).
Um estudo com usuários de crack de Montreal( Canadá) 2 =203) observou que ser jovem e poli usuário era o principal fator de risco para o início do consumo dessa droga.
Usuários de cocaína/crack e de outras substâncias, iniciam ainda mais precocemente o uso de álcool e maconha em relação aos usuários exclusivos de cocaína/crack.
Entre usuários de crack de 15 serviços ambulatoriais e internação na cidade de São Paulo, o uso na via de maconha atingiu quase a totalidade dos pacientes ( 96%), seguida pelo álcool (88%) e tabaco (87%).
Metade dos usuários havia ao menos experimentado inalantes e benzodiazepínicos; um quarto consumiu anfetaminas, quanto ao uso no último mês, o consumo de maconha era 38% e o de álcool e tabaco,praticamente os mesmo que na vida.
O poliuso foi a norma entre esses indivíduos, que consumiam em média 5 substâncias concomitantemente.
Já o consumo de álcool entre os usuários de crack é menor do que o observado em usuários de cocaína intranasal.
A combinação de crack e álcool cria ciclos de consumo de ambas as substâncias, nos quais uma estimula o consumo da outra e vice-versa.
Os motivos do poliuso não são claros.
Relatos de usuários justificam-nos como uma forma de manipular a intensidade ou a duração dos efeitos do crack, tanto como um paliativo dos efeitos negativos, quanto um potencializador dos positivos.
Padrão de consumo de usuário de crack
Usuário s de cocaína, independentemente da via de administração, constumam utilizar a droga regularmente e em quantidades substanciais – na forma de binges prolongados – mas não diariamente.
Quando aos usuários de crack, segundo boa parte dos estudos, seu o padrão de consumo consiste na utilização do crack pelo menos três vezes por semana, enquanto uma menor parte utilizava-o semanalmente ou menos.
Apesar de associado aos usuários pesados, o padrão de binge é comum ao longo da carreira de uso de qualquer usuário de crack, atingindo cerca de 60-70% desses.
Entre os usuários de crack, o padrão compulsivo de consumo é mais recorrente, com duração de vários dias e múltiplos episódios intervalos muitas vezes por crimes aquisitivos pela falta de dinheiro para comprar mais droga e interrupção condicionada á exaustação física e psicológica.
Ferri, constatou que os usuários de crack tem mais episódios de fissura e perda do controle sobre o uso de drogas do que os usuários de cocaína intranasal, levando-os a consumir grandes quantidades por diversas horas e dias consecutivos.
Entre os membros de um usuário de cocaína e crack (n294), em tratamento em diferentes serviços da cidade de São Paulo (n15), a maioria relatou que a fase mais intensa de consumo em suas carreiras aconteceu enquanto utilizavam crack.
A frequência do consumo tende a aumentar via de administração intranasal para a injetável e desta para a fumada(crack).
Isto poderia estar relacionado ao efeito de duração mais curto e de maior magnitude do crack, o que aumenta a probabilidade da droga ser utilizada novamente e levar a quadros mais graves de dependência e em menor tempo de evolução.